Protocolo é resposta à naturalização histórica do racismo no sistema de Justiça
Recém-aprovado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial foi apresentado no 7º Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (ENAJUN), nessa quinta-feira (21/11). A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise Vilanova Batista de Souza destacou a importância do documento, que oferece ferramentas que contribuem para romper a naturalização histórica do racismo do sistema de Justiça.
“Convocamos os magistrados a iniciarem seus julgamentos observando a Convenção Internacional de Combate ao Racismo, assim com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, e somente a partir daí fazerem a análise do litígio. (…) Esperamos que esse instrumento inaugure um novo tempo no Judiciário brasileiro”, afirmou a magistrada, durante o painel “Protocolo de Julgamento com perspectiva racial – violência, trabalho e população negra”.
Na avaliação de Karen, o protocolo é uma espécie de guia voltado a apontar os impactos do racismo em todos os ramos da Justiça, que também se revela em outros atores essenciais à Justiça, como Defensoria Pública, Ministério Público, e advocacia.
Estereótipos
Em relação ao direito penal, a magistrada destacou o conceito de seletividade penal e os estereótipos que associam jovens negros e periféricos à criminalidade. A seletividade é um fenômeno que ocorre quando o sistema penal trata de forma desigual grupos raciais discriminados, imunizando grupos sociais privilegiados e expondo a maior vigilância e repressão sobre as pessoas negras.
“Queremos provocar os colegas a pensarem no filtro racial na aplicação da lei, atuando para romper com a naturalização histórica do sofrimento negro”, afirmou, destacando que o controle judicial precisa garantir que atos policiais sejam fundamentados, o que impede arbitrariedades e promove equidade no Judiciário.
A necessidade de aplicação do controle de convencionalidade, ou seja, a verificação da compatibilidade entre as leis nacionais com as normas dos tratados internacionais assinados pelo país, também foi destacada.
Compromisso
Presidente da mesa, a secretária-geral do CNJ, Adriana Cruz, ressaltou a importância da coletividade para a construção de “medidas potentes” no acesso à Justiça. “Chegamos a um momento de aprofundamento, de verticalização e radicalização desse olhar e desse compromisso profundo com os direitos humanos. Sabemos que ainda não prestamos o serviço que a sociedade merece, mas esse é um processo em construção”, disse.
Doutor em Direito pela PUC/Rio de Janeiro, Ilzver Matos também reforçou ser possível a construção de um novo tempo na Justiça brasileira e trouxe memórias de sua vivência como homem negro na sociedade brasileira. “Passamos por persas violações de direitos. De 2019 até hoje, 41 professores negros deixaram de entrar na docência da Universidade Federal de Sergipe (UFS) por descumprimento da lei de cotas”, lembrou o advogado, que somente após uma batalha judicial assumiu o cargo de docente adjunto naquela instituição.
Justiça e direitos
A servidora Roberta Liana Vieira, especialista em Teoria Crítica dos Direitos Humanos, e coordenadora em Formação e Aperfeiçoamento Jurídico da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que fez parte do GT criado para elaborar e apresentar o protocolo, disse que a população clama por justiça e reivindica direitos e salientou que ele é um importante instrumento para viabilizá-los.
“Para muitos de nós, negros e negras, o Estado só se concretiza através de seu papel de polícia. Mas foi desse mesmo Estado que, há dois dias, eu vi o anúncio da criação do protocolo. Não acreditava que as mudanças poderiam vir de dentro do Estado, mas agora entendo que ele é feito de pessoas e o Estado e a rua não são opostos”, ponderou.
Encontro Nacional
O encontro foi promovido conjuntamente com o 4º Fórum Nacional de Juízas e Juízes contra o Racismo e todas as formas de Discriminação (FONAJURD), e reuniu magistrados e operadores do sistema de Justiça estaduais, federais e do trabalho. Os dois eventos foram realizados pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), por meio da Universidade Corporativa Ministro Hermes Lima (Unicorp-TJBA) e outras cortes parceiras.
Com o tema “Futuro, Tecnologia e Igualdade Racial”, o 7ºENAJUN trouxe a debate temas que impactam a vida das populações negras, quilombolas e originárias diante do acesso à Justiça.
Texto: Regina Bandeira
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias
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