DJE 17.07.24
Capítulo marcante na sesquicentenária história do TJSP.
Na semana em que São Paulo rememorou os 92 anos da Revolução Constitucionalista, o Palácio da Justiça voltou no tempo até 23 de maio de 1932. Foi com entusiasmo que dezenas de alunos-oficiais da Academia de Polícia Militar do Barro Branco encenaram, na última quinta-feira (11), no Salão dos Passos Perdidos, o episódio marcado como o estopim do conflito: manifestação em prol de uma nova Constituição para o Brasil e contra o regime de Getúlio Vargas, evento que culminou nas mortes de Martins, Miragaia, Dráusio, Camargo e Alvarenga (este morto alguns meses depois) – heróis eternizados pela sigla M.M.D.C.A.
A coragem dos mártires inspirou cerca de 200 mil paulistas, que se voluntariaram para o combate. Homens e mulheres personificados, 92 anos depois, por oficiais como Felipe Cardoso, que liderou os soldados, e Bárbara Alves, integrante do pelotão de enfermeiras. Ao som da Marcha Paris-Belfort, hino da revolução, ambos participaram pela 1ª vez. “Foi uma honra fazer essa encenação, ainda mais pelo que ela representa, tanto para a Polícia quanto para a sociedade”, disse Felipe Cardoso, destacando o heroísmo dos combatentes de 1932 como inspiração para a carreira, sentimento compartilhado por sua colega. "Participamos voluntariamente, porque é um privilégio poder reviver esse marco histórico. Os combatentes cultuavam valores que permanecem até hoje entre nós, como coragem, civismo e vontade de lutar pela sociedade", afirmou Bárbara Alves.
A reconstituição é realizada no Tribunal de Justiça desde 2018, intermediada pelo Museu do TJSP, coordenado pelo desembargador Octavio Augusto Machado de Barros Filho, e pela Assessoria Policial Militar do TJSP. Porém, já era uma tradição na Polícia, com apresentações em outras instituições. Há sete anos, a encenação é coordenada pelo capitão PM Fernando Antonio de Moura, da Diretoria de Educação e Cultura da PM. É ele o responsável por transmitir aos alunos mais do que uma simples atuação cênica: trata-se de uma missão. “Montamos uma apresentação de anos anteriores e realizamos alguns treinamentos”, disse. Ele também faz a locução, dando voz ao contexto de insatisfação da sociedade paulista com o governo Vargas, sobretudo pela supressão da Constituição e pela nomeação de interventores nos estados, até a mobilização do povo antes do conflito armado.
“Devemos cultuar esse passado. Em 1932, tínhamos um contingente reduzido e a missão nobre de lutar pela democracia, mesmo sabendo da inferioridade numérica. A tropa treinou civis para o exército e isso é uma inspiração”, afirmou o capitão, que encerrou o ato com a proclamação do poema “Os Jovens de 32”, de Paulo Bomfim, o príncipe dos poetas.
Na plateia, duas presenças especiais: Douglas de Albuquerque Alvarenga e sua filha, Júlia – respectivamente neto e bisneta de Orlando de Oliveira Alvarenga, um dos mártires da revolução. “Foi minha primeira visita ao Palácio da Justiça e me trouxe muitas emoções e lembranças. A memória do meu avô, sem dúvida, foi muito valorizada, mas a maior importância é manter sempre vivo esse sentimento de liberdade, democracia e de uma Constituição que deve ser respeitada. Muitos paulistas deram suas vidas em prol disso”, disse Orlando Alvarenga.
O conflito, iniciado em 9 de julho de 1932, durou 87 dias e deixou mais de 2 mil mortos, incluindo baixas não oficiais. “O resultado no campo de batalha não foi o esperado. Porém, no campo dos ideais, São Paulo venceu. O sacrifício dos paulistas que lutaram bravamente nas trincheiras da legalidade, da liberdade e da justiça não foi em vão”, disse o presidente do TJSP, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, no evento, referindo-se à convocação da Assembleia Constituinte que resultou na Constituição de 1934 – uma vitória para os brasileiros de São Paulo e de todo o país.
A Revolução e o Tribunal
A Revolução de 1932 é um capítulo especial na sesquicentenária história do TJSP. Afinal, a causa paulista foi muito apoiada por operadores do Direito da época, entre eles o então presidente do Tribunal, ministro Manoel da Costa Manso, que proferiu discurso histórico a favor dos ideais constitucionalistas, transmitido para todo o país pelo rádio. Além disso, nomes como Theodomiro Dias, Adriano Marrey, Odilon da Costa Manso e outros notáveis magistrados paulistas se enfileiraram nas trincheiras do confronto.
A própria história do Palácio da Justiça se confunde com a da Revolução, uma vez que a luta se deu poucos meses antes de sua primeira inauguração, ocorrida em 1933. Hoje, a sede do Judiciário conserva, no Espaço Cultural Poeta Paulo Bomfim, um vasto acervo com documentos e objetos históricos do conflito. Outros itens estão expostos no Palacete Conde de Sarzedas, sede do Museu, que neste ano recebe, também, a mostra
“A Revolução em 32 quadros”, exposição temporária e itinerante projetada pelo Centro de Memória Eleitoral (Cemel) e pelo Museu do TJSP, com curadoria de José
Maria Pereira Lopes. Além disso, uma exposição virtual ressalta o papel do Judiciário no combate e eterniza o legado de uma história viva, como contam os versos do príncipe dos poetas: “Enquanto houver esperança, enquanto os mortos velarem, sempre será 9 de julho”.
*N.R.: Texto originalmente publicado no DJE de 17/7/24
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